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Usinas de energia fotovoltaica e o Registro de Imóveis

Atualizado: 2 de ago.


Com o avanço das políticas de transição energética e a expansão de investimentos sustentáveis, têm-se multiplicado no Brasil os projetos voltados à geração descentralizada de energia fotovoltaica. Em muitos casos, esses empreendimentos se concretizam por meio da instalação de painéis solares em imóveis urbanos ou rurais, exigindo estrutura jurídica segura para amparar os contratos celebrados.


O Registro de Imóveis tem se mostrado instrumento essencial na formalização dessas relações, conferindo publicidade, eficácia erga omnes e segurança jurídica às partes envolvidas.


Duas estruturas jurídicas se destacam como as mais recorrentes: i) o direito real de superfície; e ii) o contrato de locação.



Direito Real de Superfície: alternativa eficaz


O direito de superfície, embora ainda pouco explorado no Brasil,¹ representa uma alternativa sólida e eficiente. Trata-se de um direito real que permite ao superficiário utilizar o solo, de um imóvel alheio, por prazo determinado, para fins de edificação ou exploração econômica.


Sua principal vantagem reside na natureza real do direito (jus in re), a partir de sua inscrição no Registro de Imóveis mediante escritura pública (Código Civil, art. 1.369).² O título notarial será qualificado pelo Oficial Predial e, estando apto, acederá à matrícula como ato de registro em sentido estrito (LRP, art. 167, I, nº 39).


A predileção pelo direito de superfície funda, sobretudo, no seu potencial de servir como garantia real em operações de financiamento, inclusive mediante alienação fiduciária (Lei 9.514/1997, art. 22, § 1º IV) ou hipoteca (Código Civil, art. 1.473, X).



Contrato de Locação: possibilidade com eficácia real


Em paralelo, é possível instrumentalizar a cessão do espaço por meio de contrato de locação, ainda que incidente sobre imóvel rural, desde que o uso contratual não esteja vinculado à atividade agrária. A doutrina já pacificou que a aplicação da Lei 8.245/1991 (Lei do Inquilinato) depende da finalidade do contrato, e não da localização geográfica do imóvel.


Quanto ao conceito de “urbano”, para efeito de locação, já está consolidado na doutrina, pacificadas que foram as vacilações iniciais. Ao contrário do que muitos imaginariam, a condição de imóvel urbano ou rústico não decorre de sua localização, em referência ao perímetro das cidades. O critério aferidor da natureza jurídica do imóvel, para efeito de locação, é o da sua utilização, pelo locatário, ou seja, do fim a que se destina, primordialmente, o contrato. Há, portanto, uma nítida divergência entre o Direito Civil e o Direito Tributário, no que tange à definição de imóvel urbano ou rústico.³

Nesse sentido, é paradigmático o julgado do Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, que afastou a incidência do Estatuto da Terra e reconheceu a possibilidade de registro de locação para instalação de antena de telefonia em imóvel situado em zona rural:

O motivo que levou o Oficial recusar o registro do título, foi o entendimento de que a locação é de imóvel rural, e que a lei de regência é o Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64), ainda que a locação seja para fim comercial, porque o contrato de locação previsto no artigo 167, I, 3, da Lei de Registros Públicos, se refere a imóvel urbano apenas, regido pela Lei nº 8.245/91. (...) O motivo da recusa do registrador e que foi mantido pela r. sentença, referente a locação de imóvel rural, deve ser afastado. A área locada, não obstante integre área maior e rural, tem por finalidade a instalação de estação rádio-base, para desenvolvimento da atividade de exploração do serviço de telefonia celular, o que não se relaciona com nenhuma atividade própria da área rural, e, consequentemente, com o arrendamento mercantil, regido pelo Estatuto da Terra. Assim, não há óbice ao registro do título sob este prisma.4

Quando se opta pela locação, o contrato pode ingressar no fólio real de duas formas: (i) por meio do registro, em sentido estrito, da cláusula de vigência (LRP, art. 167, I, nº 3); e/ou (ii) mediante averbação destinada a assegurar o direito de preferência do locatário (LRP, art. 167, II, nº 16). A inscrição predial do pacto locatício confere à avença a denominada transcendência real, isto é, a aptidão para vincular terceiros alheios à relação contratual. Nessas hipóteses, a locação passa a revestir-se da natureza de obrigação com eficácia real, sendo imprescindível, para tanto, o seu acesso ao Registro de Imóveis.



A observância à especialidade objetiva: o fiel da balança


Independentemente do arranjo contratual estabelecido, para que haja ingresso do título basal no Registro de Imóveis é imprescindível observar o princípio da especialidade objetiva. Como as usinas geralmente ocupam apenas parte do imóvel, o título há de conter descrição técnica precisa da área utilizada, com amarração aos vértices ou elementos constantes da matrícula.


Em casos de descrições precárias, imprecisas ou lacunosas, pode ser necessária a prévia retificação da poligonal descrita na matrícula (LRP, art. 213), a fim de, a posteriori, viabilizar-se a correta individualização da área contratada.



Conclusão e perspectivas


Tanto a instituição do direito real de superfície quanto a formalização por contrato de locação são juridicamente admissíveis para viabilizar a instalação de usinas solares. O Registro de Imóveis, ao recepcioná-los com os requisitos legais, oferece a necessária segurança jurídica, publicidade e eficácia erga omnes, fomentando o ambiente de negócios no setor de energia limpa.


Por fim, é certo que a atividade de produção de energia sustentável também descortina a possibilidade de contratações correlatas, notadamente aquelas voltadas à negociação de créditos de carbono. A partir do marco regulatório, a Lei 15.042/2024, os contratos firmados entre o gerador e o desenvolvedor de projetos de crédito de carbono, encontram respaldo para ingresso no Registro de Imóveis (Lei 6.015/1973, art. 167, II, nº 38), conferindo publicidade e segurança jurídica a operações de inegável relevância socioambiental e econômica.5



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  1. O direito real de superfície é largamente utilizado em países europeus, como Alemanha e Portugal, onde desempenha papel relevante na estruturação de empreendimentos imobiliários e urbanísticos. No Brasil, contudo, sua aplicação ainda é incipiente, embora apresente elevado potencial de expansão. Exemplo emblemático de sua utilização foi a constituição das novas arenas esportivas, em especial o Allianz Parque, em São Paulo, cujo modelo jurídico-financeiro envolveu a concessão de direito real de superfície, viabilizando a execução e a exploração econômica do empreendimento pelo clube de futebol e seus parceiros comerciais.

  2. Cf. Código Civil, art. 1.369. O proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em seu terreno, por tempo determinado, mediante escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis.


  3. Cf. SOUZA, Sylvio Capanema de. A lei do inquilinato comentada: artigo por artigo. 12. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2020.


  4. Cf. CSMSP - Apelação Cível 815-6/1, Rel. Des. Gilberto Passos de Freitas, j.14/12/2007.


  5. Sobre a registrabilidade desse contrato recomendamos nossos comentários na obra Lei de Registros Públicos comentada (RIBEIRO, Moacyr Petrocelli de Ávila. Lei de Registros Públicos comentada. Rio de Janeiro: Forense, 2025, p. 521-526).



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