CSM | SP: Transmissão "causa mortis". Falecido separado de fato. Distinção entre meação e herança. Bens em estado de mancomunhão. Necessidade de prévia partilha da sociedade conjugal.
- Moacyr Petrocelli
- 19 de ago.
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O Conselho Superior da Magistratura de São Paulo enfrentou relevante questão envolvendo a transmissão causa mortis de pessoa falecida que vivia em separação de fato, mas possuía bens em estado de mancomunhão, sem prévia partilha.
O voto condutor, da lavra do desembargador Francisco Eduardo Loureiro, enfrentou com profundidade conceitos fundamentais do direito sucessório, apoiando-se em sólida pesquisa doutrinária e em precedentes jurisprudenciais de relevo. Trata-se de decisão paradigmática, cuja leitura integral é vivamente recomendada.
Sem prejuízo, seguem as principais conclusões extraídas do julgamento:
1)- Em regime de comunhão, a aquisição de bem ou direito real sobre imóvel por um dos cônjuges implica comunicação patrimonial ipso jure, de pleno direito.
Nos termos da regra do art. 262, caput, do CC/1916, o regime da comunhão universal, o legal, prevalecente à época (na ausência de pacto antenupcial), e até a Lei do Divórcio, importava (e importa até hoje) "a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges", aí incluídos os transmitidos causa mortis, com exceção dos herdados com cláusula de incomunicabilidade (art. 263, XI). Nada diferente, a propósito, do que atualmente vigora (cf. arts. 1.667 e 1.668, I, do CC/2002)."
2)- Trato consecutivo do registro: deve primeiro ser realizada a partilha dos bens decorrentes do fim da sociedade conjugal; para, após, ser realizada a partilha causa mortis.
O registro do formal de partilha está subordinado à plena partilha do acervo matrimonial e, ainda, ao registro da carta de sentença pertinente, atribuindo ao de cujus, aí com exclusividade, os direitos reais partilhados causa mortis a favor dos herdeiros dele. Buscou-se resguardar o princípio da continuidade registral, princípio do trato sucessivo, e assim controlar a disponibilidade do patrimônio do falecido, dos direitos transmitidos causa mortis.
3)- Havendo separação ou divórcio sem partilha de bens comuns, o acervo patrimonial permanece em estado de mancomunhão.
Conforme há tempos deliberado por este C. Conselho Superior da Magistratura, na Apelação Cível n.º 15.305-0/7, rel. Des. Dínio de Santis Garcia, j. 31.8.1992, "permanece a indivisão até que, com a partilha, se atribuam os quinhões do cônjuge sobrevivente (quando o caso) e dos herdeiros." Quer dizer, se os direitos referidos, integrando o acervo matrimonial, não foram partilhados, nem lá, nos autos do processo de separação/divórcio, foi declarada a inexistência de comunicação (que decorreria da ventilada separação de fato precedente à aquisição causa mortis), a emenda da partilha, da realizada no processo de inventário, é inarredável, salvo se for reconhecida, na esfera jurisdicional, em processo contencioso, a incomunicabilidade ou a prescrição extintiva da pretensão à partilha do patrimônio conjugal remanescente, ou a usucapião da meação.
4)- Há divergência doutrinária e jurisprudencial a respeito da imprescritibilidade da pretensão de partilha (ou sobrepartilha).
A propósito da reportada prescrição, então controversa por envolver uma pretensão desconstitutiva (direito potestativo à partilha, ou à sobrepartilha, expressão do poder formativo de modificar ou extinguir um estado jurídico, relações jurídicas, por meio de declaração judicial, que poderia, mas não está, na falta de específica previsão legal, sujeita a prazo decadencial), há precedentes, no C. Superior Tribunal de Justiça e nesta E. Corte, reconhecendo o prazo prescricional de dez anos (cf. art. 205 do CC/2002), ou, conforme o caso, o de vinte anos (cf. art. 177 do CC/1916, combinado com o art. 2.028 do CC/2002). Há, também, é oportuno assinalar, e aí afinados com o critério científico forjado por Agnelo Amorim Filho (de acordo com o qual as ações constitutivas, positivas ou negativas, não se sujeitam a prescrição), precedentes no sentido da imprescritibilidade da pretensão à partilha de bens (e, logo, à complementação da partilha), tanto no C. Superior Tribunal de Justiça como neste E. Tribunal de Justiça, o que, contudo, não afasta, se presentes os requisitos legais, a possibilidade da usucapião, prescrição aquisitiva, insuscetível de ser declarada, de toda forma, neste processo.
5)- O simples término da incidência do regime de bens não transforma o patrimônio de mão comum em condomínio; para tanto, é indispensável a partilha.
O término do regime matrimonial não determina, ipso jure, o do estado de comunhão, não o converte (não o transforma) em condomínio, não encerra, de imediato, a propriedade de mão comum, propriedade coletiva, que persiste, acima se pontuou, até a repartição do acervo matrimonial. A ocorrência de fatos extintivos da comunhão universal de bens, anota Orlando Gomes, "não põe termo imediatamente ao estado de indivisão dos bens. A comunhão termina de direito, mas os bens permanecem indivisos até a partilha." O fim do matrimônio, a dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal, e com ela obrigatoriamente o do regime de bens, não leva inevitavelmente ao encerramento da sociedade patrimonial, desfecho dependente da partilha, da divisão do patrimônio do casal. Da mesma forma, logicamente, não o determina a separação de fato.
6)- Condomínio e mancomunhão não se confundem. Na mancomunhão o patrimônio pertence em bloco, e só em bloco, a todos os consortes. No condomínio há quotas ideais dos titulares.
Em relação ao patrimônio comum, a posição jurídica dos cônjuges é peculiar. Não são proprietários das coisas individualizadas que o integram, mas do conjunto desses bens. Não se trata de condomínio propriamente dito, porquanto nenhum dos cônjuges pode dispor de sua parte nem exigir a divisão dos bens comuns. Tais bens são objeto de propriedade coletiva, a propriedade de mão comum dos alemães, cujos titulares são ambos os cônjuges. Por causa disso, à luz dessa lógica, cessada a base jurídica, exaurida a causa do patrimônio coletivo, in casu, dissolvido o vínculo conjugal, impõe-se a partilha, a especificação da meação de cada um dos cônjuges.
7)- Embora não se confunda com herança, a meação integra o monte-mor, o acervo patrimonial a ser partilhado.
Será primordial, quanto ao acervo matrimonial, extremar, pela partilha, no inventário, a meação. Uma vez subsistente o estado de indivisão, ao cônjuge supérstite e aos herdeiros do falecido, não pertencem frações ideais em relação a cada um dos direitos e das obrigações componentes do patrimônio comum. Até lá, a metade ideal, a meação, recai sobre a universalidade de direito, "entidade complexa que transcende as coisas componentes, com uma única denominação e um só regime jurídico", e não sobre cada coisa individualmente considerada. O todo formado pela universalidade de direito, esclarece Washington de Barros Monteiro, "tem individualidade distinta das unidades que o compõe".
8)- Após o término da sociedade conjugal, admite-se a renúncia da meação, que pode ser total ou parcial. Na melhor técnica, há alienação/cessão da meação. Mas renúncia (cessão) da meação não se confunde com renúncia (cessão) da herança.
A renúncia à meação corresponde, na realidade, a uma cessão de meação, que pode ser gratuita ou onerosa. Renúncia in favorem é uma contradição em termos; de qualquer forma, é corrente a divisão que se faz entre renúncia abdicativa e translatícia, daí seu uso. (...) Há "transmissão de bens do meeiro e, por isso, sujeita-se ao tributo (ITCMD, se gratuita, ITBI, se onerosa)", intelecção que também é desta E. Corte (cf. Apelação Cível n.º 38.649-0/4, rel. Des. Márcio Martins Bonilha, j. 31.7.1997). (...) O que quer que seja, a renúncia à meação não se baralha com a renúncia à herança; ora, as massas patrimoniais por ela atingidas são distintas.
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Cf. CSMSP - Apelação Cível 1009529-57.2024.8.26.0625, Rel. Des. Francisco Eduardo Loureiro, j.23/05/2025. Acesse abaixo a íntegra do julgado:






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